Na capital de Mato Grosso do Sul, menor flagrado soltando pipa com cerol vai parar na delegacia. Policiais percorrem bairros da perifeira de Olho no Céu. Em menos de quatro horas, são dez flagrantes. Depois que teve início a operação de combate ao cerol, não houve mais mortes em Campo Grande. Mesmo assim, em todas as rondas, a polícia encontra as linhas cortantes.
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Em todo o Brasil, quem tem mais de 18 anos e solta pipa com cerol pode responder por um crime: expor a vida das pessoas a perigo. A pena vai de três meses a um ano de cadeia.
Os jovens confirmam o uso do cerol. A delegada dá uma bronca nos meninos. Eles faziam a chamada guerra das pipas - pra ver quem corta a linha do outro primeiro. "Você sabe que passou no pescoço de alguém, matou. Você não sabe? E por que você solta então, se você sabe?", disse a delegada Maria de Lourdes Sousa Cano.
Ações desse tipo - da Delegacia de Atendimento à Crianças e Jovens do Estado - começaram depois de uma série de casos graves, como a morte do pedreiro Valdir Cavalcanti, em março do ano passado. Ele tinha duas filhas. "Faleceu num ato criminoso. Uma linha de cerol atravessou o caminho dele, num momento que ele ia buscar as filhas dele pra passear, em pleno domingo", disse o irmão dele, Edinilson Cavalcanti.
Os reincidentes podem até ser levados para centros de recuperação para jovens infratores. Algumas mães acham bom. "Por mim, você pode dar o ralo, fazer o que tem que fazer, porque eu avisei."
Danilo Burin, juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campo Grande apóia a ação da polícia. Para ele, é uma espécie de castigo - uma punição educativa - principalmente para os pais. "Muitas vezes eles vêem os filhos prepararem o cerol e deixam assim mesmo. A obrigação do pai é a vigilância, então ele deveria fazer isso e não está fazendo, então ele é responsável também."
Flagrantes
Estas imagens foram gravadas com uma câmera escondida, num conjunto habitacional de Campo Grande. O cerol é feito no quintal das casas. Dois jovens - aparentando 14 ou 15 anos - quebram uma lâmpada fluorescente. "Sai daí, cara. Vai voar no seu olho. Sai daí, seu burro", disse o menino.
Depois, um dos adolescentes passa a mistura de cola e vidro na linha da pipa.
O Fantástico levou amostras da linha cortante para o laboratório. "São como se fossem microfacas. Então você tem o quê? Um elemento que é cortante e ao mesmo tempo flexivel, uma combinação mortal", disse Marco Naka, professor de mecatrônica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Punição e multas
Para tentar inibir essa brincadeira perigosa, vários estados criaram leis próprias. Além de Mato Grosso do Sul, é proibido soltar pipa com linha cortante em Rondônia, Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo. A punição é pagamento de multa, que varia de R$ 79 a R$ 1,9 mil.
Já no Paraná e no Rio de Janeiro, é proibido fabricar ou vender cerol. A multa chega a R$ 1 mil.
Sexta-feira (23), na Zona Norte do Rio, flagramos crianças e muitos adultos usando linhas cortantes. Geralmente são compradas em lojas, disse um rapaz. "A gente compra a linha pronta. Inclusive até enrolado", disse outro jovem. "A graça, o divertimento, é você cortar a pipa do próximo."
Descobrimos ainda que a maioria usa uma espécie de super-cerol. "Essa aqui é a linha chilena. É bem resistente e corta bastante."
Neste sábado (24), em Osasco, na Grande São Paulo, fomos a um ponto onde soltadores de pipa se encontram. Bem em frente, fica esta loja que vende a chamada linha chilena.
Segundo a polícia, já houve apreensões da chamada linha chilena com cerol feito de óxido de alumínio e pó de mármore - materiais que tornam as linhas ainda mais cortantes. Olha o que acontece com esta maçã.
Vítimas
Jussara Coutinho, 29 anos, diz ter sobrevivido por sorte. "O laudo médico falou que cortou uma jugular, traquéia e encostou nas cordas vocais". Hoje, três anos depois de ter sido atingida pelo cerol, ela ainda tem dificuldades para respirar. "O único meio é a conscientização realmente das pessoas. E pai e mãe: não deixe seus filhos soltando pipas com cerol nas ruas", disse a delegada Maria de Lourdes Sousa Cano.
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